Com fama internacional, morador de Sinop reconstrói faces em 3D
A partir de crânios, Cícero Moraes dá rosto a figuras históricas e religiosas e já fez mais de 60 trabalhos
DA REDAÇÃO
Considerado um mestre do design 3D, Cícero Moares, de 36 anos, dá forma às faces de personagens históricos a partir do crânio com a reconstrução forense.
Natural de Chapecó (SC), formado em marketing e morador de Sinop, o designer já executou mais de 60 reconstruções faciais de importantes figuras históricas e religiosas, como Dom Pedro I.
A técnica consiste em extrair uma série de fotografias do crânio analisado para, em seguida, processá-las pelos programas, que por sua vez geram uma nuvem de pontos que são então convertidos em uma malha 3D.
Cícero conta que se interessou pela técnica para tentar enfrentar a depressão. Em 2011, o designer sofreu um assalto e reagiu. Com isso, ele desenvolveu um quadro grave da doença psicológica.
“Eu desenvolvi um quadro de depressão e para conseguir vencer eu comecei a estudar o que eu sempre quis, que é a reconstrução facial”.
Seu trabalho ganhou destaque internacional em 2013, quando foi contratado pelo Museu de Antropologia de Pádua, localizado na Itália, para reconstruir o rosto de Santo Antônio de Pádua a partir dos ossos.
Contribuição científica
Moraes não vê a atividade como profissão e nem é de onde tira sua principal fonte de renda. Para ele, a modelagem foi como um escape.
“Eventualmente algum museu me contrata para fazer reconstrução facial. Mas é mais um hobbie, foi uma forma que eu achei de vencer aquela depressão”, afirmou.
Quando o designer viaja para algum lugar diferente, ele procura algum museu e pede para realizar o trabalho de reconstrução de algum indivíduo. Ele vê isso como uma forma de manter a história viva.
“É uma forma que eu tenho de contribuir com a história e a ciência local”, disse Cícero.
Divulgação
Dom Pedro I foi reconstruído pelo designer
Nessas empreitadas, Moraes acaba também aprendendo sobre diversas culturas. Segundo o especialista, ao fazer reconstruções de pessoas notórias ou pouco conhecidas, ele acaba entrando em contato com a história desses indivíduos e ajuda a colocar a ciência ao alcance do conhecimento público.
Além disso, ele também percebeu que a questão racial é um problema que se apresenta com frequência nessa área, o que dificulta a interpretação do seu trabalho.
“As pessoas levam muito em conta a cor da pele, esse aspecto ancestral, mas na verdade o homem é homo sapiens sapiens, o mesmo gênero e espécie. Não tem muita importância essa questão da cor”, explicou o especialista.
Outro ponto que pesa é a questão da notoriedade do indivíduo. Quando o personagem não é muito famoso, geralmente ele é ignorado pelo público. “Mas não faz diferença, a história é igualmente interessante”, completou.
Mato-grossense de mil anos
Cícero Moraes também chegou a reconstruir o crânio de um índio da etnia Xarayes, que teria vivido na região da Fazenda Descalvados, em Cáceres, há mil anos, durante o século 10. Esse indígena ficou conhecido popularmente como o mato-grossense de mil anos.
“Os especialistas chegaram a esse número, mil anos. Era um homem de mais ou menos 20 a 30 anos. Todas essas observações foram feitas através de antropologia forense, os especialistas analisaram esse crânio”, revelou Moraes.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) fizeram uma série de fotografias desse crânio e enviaram para o designer. Graças a essas imagens, foi possível que Cícero fizesse uma digitalização 3D e reconstruísse a face do índio.
Esse modelo em 3D foi enviado para o site Wikipédia e se tornou referência em artigos. Hoje está em 69 idiomas diferentes, à disposição do internauta.
“Esse crânio foi enviado e foi o primeiro crânio enviado em 3D para a Wikipédia, o que fez com que ele se tornasse um crânio padrão de muitos artigos. O exemplo de crânio em 3D é o crânio de Cáceres”, afirmou.
Jesus negro
Cícero fez uma modelagem de como poderia ser o rosto de Jesus a pedido de um projeto, o que gerou muita polêmica.
Entretanto, ele alerta que não é uma reconstrução de Jesus, pois não há um crânio para esse trabalho. O designer utilizou características comuns de homens do Oriente Médio do século 1.
“O que foi feito é que simplesmente peguei uma média populacional e fiz uma reconstrução baseada na média facial daquela região. E saiu aquele indivíduo, não quer dizer que seja Jesus”, explicou.
De acordo com Moraes, foram séculos de eurocentrismo na arte e na religião que enraizaram a imagem de Jesus: um homem branco, cabelos longos e claros, olhos azuis e face angelical.
No entanto, segundo o profissional, trata-se de uma construção que teve pouco a ver com a realidade.
Em diversas pesquisas, especialistas afirmam que Jesus era moreno, baixo, com cabelos escuros e curtos, como os judeus da época. E foi assim que o designer produziu a imagem que poderia ser de Cristo.
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Em 2016, Cícero Moraes passou a desenvolver próteses faciais humanas em impressão 3D
Próteses médicas
Além das reconstruções faciais, Moraes também fez próteses médicas e veterinárias em 3D. De 2015 a 2017, o designer desenvolveu a tecnologia e produziu 11 próteses com auxílio de veterinários.
Durante esse período, animais de diversas espécies foram ajudados, principalmente aves. Ele construiu bicos e cascos de jabutis.
Posteriormente, a tecnologia foi utilizada para fazer próteses de faces humanas a baixo custo. Segundo Cícero, mais pessoas terão acesso ao recurso. De acordo com ele, o projeto vai funcionar com mais agilidade, rapidez e amplitude.
“A gente tira diversas fotos da face do individuo para fazer a digitalização 3D e impressão 3D. Tem muito trabalho manual ainda por parte de especialista de bucomaxilo, mas a tendência é a gente jogar o gargalo cada vez mais para a impressão 3D”, disse.